terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Dilemas do feminismo contemporâneo dão o tom de “Mulheres”, novo álbum de Zora Venka

Uma considerável parcela dos jovens que compõem as chamadas gerações Y e Z já deve ter se deparado, em algum momento, com os conflitos que decorrem do encontro de uma educação, na infância, baseada em tradições religiosas que custam a manter o fôlego e um universo que, na juventude, se expande cada vez mais na direção de possibilidades antes sequer imaginadas ou admitidas, especialmente no que diz respeito a sexualidade.

Capa de "Mulheres", de Zora Venka (2014)
Estas zonas de estranhamento, que surgem conforme a cultura avança no tempo, se notam nos mais variados campos. Um dos mais flagrantes está, certamente, no lugar incerto que o feminismo assume diante das novas configurações dos gêneros na contemporaneidade. Hoje, por exemplo, aquele gesto banal do homem que abre a porta do carro para a mulher já é motivo de acaloradas e infindáveis discussões. Pode ou não pode? Deve ou não deve? Isto, homens e mulheres ainda não sabem responder em consenso.

Neste contexto, o álbum “Mulheres” toma a forma de um ringue onde se confronta o padrão de mulher submissa do passado ao novo paradigma feminino, associado aos ideais de independência, poder e controle sobre si mesma. De modo sutil e bem humorado, Zora Venka transita por nuances variadas do pop, explorando desde o trágico até o cômico da condição feminina na atualidade.

Não à toa, a escolha para carro-chefe do álbum foi “Simone Veil (Mulheres Parte II)”, primeiro single de “Mulheres”. No refrão, Zora evidencia o dilema de uma mulher que busca se contentar com migalhas de atenção do marido para suprir sua carência em um ambiente doméstico hostil e violento: “Às vezes, eu me sinto tão amada que eu quero ficar. Às vezes, eu olho para o céu e me valorizo.” E conclui: “Não mereço apanhar.”

“Fascinam”, parceria com Tanusha, cria uma atmosfera sombria para abordar um dos temas mais caros às mulheres de hoje: seu posicionamento diante das constantes e, não raro, agressivas investidas da indústria da beleza. “Elas fascinam, elas são belíssimas, elas fascinam, elas são as vítimas desses machos e desses viados”, bradam as cantoras, combatendo aqueles que querem a mulher como mero objeto sexual, bibelôs que figurem na estante de um ideal de mulher cruel e insustentável.

Distanciando-se da temática central do álbum, Zora chama KARMA para um dueto em “Esclarecido”, agraciando os ouvintes com a faixa mais engraçada de “Mulheres”. Em tom crítico e ácido, as cantoras debocham de um rapaz que se envergonha de ser negro e, por isto, decide se esconder atrás de uma falsa identidade virtual, alimentada com imagens obtidas na conta de um homem branco em uma rede social. “Desiste, meu amigo! Todos já sabem que é mentira. Ai, ai, ai!”, adverte Zora.

Merecem destaque ainda outras canções, como a sentimental “Desafino”, a lúdica “Carrosel”, a emocionante “Mamãe” e a triste “Kanso”. Mas este é um daqueles álbuns que merecem ser ouvidos do começo ao fim, pois esta irreverente artista pode até render risadas com a personagem debochada que ostenta no mundo cibernético, mas, ao menos neste CD, demonstra uma maturidade rara neste universo. “Mulheres” consagra Zora Venka como uma das poucas cantoras virtuais que dizem mais do que palavras engraçadas proferidas por vozes automatizadas, fazendo esta grande brincadeira parecer música de verdade.

Ouça o álbum na íntegra: 
  

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